"Maria Fumaça" (*)
Na hora da partida havia muito movimento na plataforma da estação de Miguel Pereira, cidade do interior do
estado do Rio de Janeiro. É bem verdade que o número de pessoas com aparência de turista era razoavelmente
grande. O fato de a locomotiva usada ser a vapor já indicava que aquela não era uma viagem comum.
A viagem começa mais ou menos na hora marcada. O trem faz sua primeira parada em Governador Portela e
depois começa a descer a serra. No meio da descida há uma parada em Vera Cruz, uma pequena vila que pode
ser alcançada até hoje de carro por uma estrada de terra. O local é conhecido por ter muitas cachoeiras. O vi-
sual do percurso é muito bonito e uma das atrações é, certamente, uma ponte na qual o trem passa que foi
construída em 1897. Esta ponte é toda de ferro, tem 34 metros de altura e um vão de 82 metros.
No final da serra o trem chega a Arcádia, que é apenas uma parada rápida, seguindo depois até Conrado onde
termina a viagem. O trem fica algum tempo parado, o suficiente para que as pessoas comam alguma coisa,
conheçam a estação e as redondezas. A cidade é pequena mas hospitaleira. Há muitas pessoas na plataforma
para ver o trem chegar. Logo a locomotiva está apitando para chamar os passageiros para a viagem de volta.
Para a viagem de volta uma surpresa: uma locomotiva diesel é engatada à "Maria Fumaça" para ajudá-la a subir
a serra. O maquinista, que se orgulhava da sua capacidade de manejar a máquina a vapor, explica: "esta Maria
Fumaça tem a caldeira pequena e não é apropriada para subir serras". Existem, segundo ele, outras maiores que
subiriam a serra sem necessitar de ajuda e uma delas já estava sendo preparada para tomar o lugar desta...
Este trecho de ferrovia fazia parte da chamada linha auxiliar através da qual se podia, partindo do Rio de
Janeiro, chegar a Belo Horizonte e, se não me engano, até Carangola no interior de Minas. Uma vez em Belo
Horizonte era possível, segundo informações colhidas, se ir de trem até Brasília e outros pontos do país. Mas o
transporte ferroviário foi completamente abandonado e negligenciado no Brasil, restando apenas alguns trechos
muito específicos destinados à carga.
Em 1986 funcionários da RFFSA, na tentativa de manter o tráfego ferroviário na região, organizaram uma viagem
de trem que partia de Miguel Pereira e descia a serra até Conrado. Era uma viagem turística que aproveitava a
beleza da paisagem na serra e o charme da "Maria Fumaça". Seu funcionamento era limitado aos domingos e
feriados com uma viagem diária de ida e volta. Apesar de ser uma viagem dirigida aos turistas que visitavam a
cidade, os moradores da região não deixavam de utilizar este trem como meio de transporte.
Nesta data o transporte ferroviário já estava meio abandonado há bastante tempo na região. As estações e as
linhas estavam em más condições de conservação. Não havia mais nenhum transporte regular através das ferro-
vias. Apenas as estações e paradas por onde passava esta "Maria Fumaça" haviam recebido alguns cuidados.
Posteriormente tudo foi paralisado, os vagões e locomotivas colocados nas garagens, as estações foram fecha-
das e as linhas completamente abandonadas. Em alguns trechos os trilhos foram arrancados e o leito da ferrovia
foi aproveitado para a construção de estradas de rodagem... É a "ditadura do automóvel".
Atualmente o transporte ferroviário na região está completamente desativado, os vagões e locomotivas desa-
pareceram, as estações foram abandonadas, demolidas ou se transformaram em áreas de lazer da população e,
em muitos lugares, os trilhos foram retirados ou estão cobertos pelo mato.
(*) Estas fotografias foram feitas em Março de 1977, Março de 1984 e Outubro de 1986 nas regiões de
Miguel Pereira, Governador Portela, Vera Cruz e Conrado, no interior do estado do Rio de Janeiro.